domingo, 28 de fevereiro de 2010

UM DECÁLOGO PARA ENSINAR A ESCREVER Auguste Pasquier e Joaquim Dolz

RETIRADO DO BLOG ALFABETIZAÇÃO E CIA

UM DECÁLOGO PARA ENSINAR A ESCREVER

Auguste Pasquier e Joaquim Dolz




Como cada professor sabe e experimenta cotidianamente em sua sala de aula de língua, não é fácil ensinar a composição escrita. Produzir um texto é uma atividade extremamente complexa que exige múltiplas capacidades e que necessita de uma aprendizagem lenta e prolongada.
Por isso, às vezes, vêm o desânimo, o sentimento de estar trabalhando em vão e a impressão de que, ao final, há alunos que “sabem escrever” e outros que “não sabem” e, ainda, alguns que “nunca saberão” apesar de todos os nossos esforços.
Esse pessimismo é compreensível, mas está fora de lugar, já que existem na atualidade meios didáticos para desenvolver as capacidades de escritura dos alunos. Esses meios foram experimentados em diferentes unidades escolares, sob o controle de pesquisadores (Dolz, Rosat & Schneuwly, 1991; Dolz, 1995), com resultados esperançosos.
A capacidade de produzir um texto coerente em relação aos conteúdos e com um mínimo de coesão linguística não é um dom exclusivo de uma minoria seleta, mas uma capacidade ao alcance de todo indivíduo escolarizado, se lhe damos as condições de ensino e aprendizagem adequadas. Para isso, por outro lado, é preciso que o professorado conheça os instrumentos didáticos atualmente disponíveis e, que tenha idéias claras sobre o ensino da produção escrita, de maneira que não se perca em atividades entediantes, repetitivas, desnecessárias e, sobretudo, pouco eficazes.
Neste artigo, propomo-nos a relembrar, de maneira breve e simples, algumas das opções atuais em termos de ensino-aprendizagem da composição escrita (ver também Camps, 1994), mostrando como essas opções diferem daquelas que fundamentaram o ensino até a década de oitenta. Temos uma dupla pretensão: esclarecer as principais linhas da ação didática que defendemos e apresentar uma menção a alguns dos meios disponíveis.
Entre os muitos pontos que poderíamos tratar, elegemos dez que nos parecem essenciais, sem que este decálogo constitua uma lista exaustiva.



1. Diversidade Textual
O primeiro aspecto que cabe destacar ao se abordar o ensino da composição escrita é o da variedade de textos (Schneuwly, 1992). Este objeto de aprendizagem não é um objeto único, indiferenciado, mas uma pluralidade de gêneros textuais que apresentam cada um deles, características lingüísticas bem precisas. Devemos enfocar o ensino da produção de textos não como um procedimento único e global, válido para qualquer texto, mas como um conjunto de aprendizagens específicas de variados gêneros textuais.
Cada texto apresenta problemas de escritura distintos que exigem a adoção de estratégias de ensino diferenciadas e adaptadas a eles. E, ainda que os conhecimentos da psicologia da linguagem sobre os procedimentos de aprendizagem sejam limitados, sabemos que muitas das dificuldades dos alunos são específicas de um tipo de discurso ou de um gênero textual.
Quando um adulto se considera expert na escritura de um gênero específico – pensemos no caso de um especialista em fazer atas - isto não quer dizer que o mesmo domine a escritura de um texto narrativo, explicativo, poético ou argumentativo. Na verdade, os textos citados não apresentam as mesmas características linguísticas: os tempos verbais, por exemplo, não são os mesmos, assim como não são os mesmos os conectivos utilizados para articular as diferentes partes do texto ou as modalizações, as anáforas etc.
Se cada texto, para que seja compreendido pelo leitor, deve apresentar uma organização global, as formas de planejamento e de sequ[1]encialização (Adam, 1992) serão distintas quando se trata de narrar, de descrever, de explicar, de argumentar ou de dialogar. E devemos atribuir estas diferenças a uma particularidade da língua: a de se adaptar a diferentes situações de uso.
Assim, o aluno deve tomar consciência da diversidade textual e aprender a escrever textos não “em geral”, mas em função das situações particulares de comunicação (segundo o objetivo que se pretenda atingir: convencer, divertir, explicar; segundo seu destinatário: autoridades, colegas de classe, professores, pais, alunos de outra escola; segundo o lugar social onde o texto será publicado: revista ou jornal da escola, fichamentos para uso em aula etc.). E, para isso, terá de inspirar-se em ou ter como referência outros textos sociais em uso.


2. Aprendizagem precoce
Como dissemos no princípio, escrever textos é um processo complexo. A aprendizagem das capacidades que intervêm na atividade de escrever é lenta e longa. Por esta razão, convém começar seu ensino desde os primeiros anos da escolaridade. Entretanto, começar logo não significa exigir que os pequeninos façam mais cedo o que estava previsto até agora para o currículo dos mais velhos.
Em cada nível de ensino, as atividades devem ser adaptadas às possibilidades dos alunos. Entretanto, isto não significa que se tenha de esperar que os alunos saibam ler e escrever palavras e frases para sensibilizá-los para a escrita de textos. Desde muito cedo, graças ao desenho, ao contato frequente com os livros, à utilização de imagens e, sobretudo, à prática do “professor como escriba” (a criança diz oralmente um texto “escrito”, ditando-o a um adulto que assume a tarefa de grafar), crianças pequenas podem produzir textos, descrevendo um lugar conhecido, explicando um fenômeno conhecido, contando uma história, tentando convencer um colega, dando instruções para fabricar um brinquedo etc.
Escrevendo esses textos, as crianças pequenas constroem progressivamente a capacidade de se adaptarem às situações de comunicação (para quem estão escrevendo e por quê) e a consciência de que querem ser compreendidas: qual é o seu papel ao escrever, com que finalidade estão escrevendo e o que devem fazer para conseguir seus objetivos. Também buscam e refletem sobre os conteúdos temáticos para desenvolver seus textos. Enfim, descobrem algumas características da textualidade e discutem com seus colegas sobre o interesse de se adotar uma ou outra forma linguística, antes de ditá-la definitivamente ao adulto.
De uma exposição precoce ao processo da escrita através do “professor como escriba”. Esta sensibilização não só é possível desde a pré-escola como também é desejável e geradora de progressos importantes.


3. Aprendizagem em espiral
Numerosos métodos de ensino propuseram – e ainda propõem – abordar a produção escrita como um progresso de texto em texto .Estes métodos propõem abordar, durante o ano escolar, um tipo de discurso (a narração) ou um gênero textual (o conto) para, no ano seguinte, passarem a outro (a descrição ou a exposição) e, no próximo, a um terceiro (a argumentação). Muitos desenhos curriculares estabelecem uma tal progressão. Também na escola primária é frequente convidar os alunos a trabalhar um gênero textual (o conto de fadas) e esperar o ano seguinte para abordar outro gênero (a correspondência ou a crônica).
Muitos pesquisadores das atuais práticas de ensino da redação em países de fala francesa consideram que o “melhor caminho”, ou a tendência mais comum, consiste em começar trabalhando a narração, seguida da descrição e da correspondência, para coroar o conjunto com um trabalho sistemático sobre a dissertação no colegial.
Esta concepção da aprendizagem da escritura faz com que cada texto seja considerado, implicitamente, como um prerrequisito ou preparação para o estudo do texto seguinte: a narração é considerada como o texto-base para desenvolver a língua; a descrição de personagens, objetos e acontecimentos serve para completar a narração; narração e descrição permitem que se chegue aos textos considerados mais difíceis: a explicação e a dissertação.
A este tipo de progressão linear opõe-se a progressão em espiral.
Ao invés de seguir uma linha reta que vai de um texto a outro, propomos uma progressão em curva, distanciando-nos gradualmente do ensinado para voltarmos a abordá-los mais tarde, a partir de uma dimensão ou de uma perspectiva distinta. Dito de outro modo, a expressão aprendizagem em espiral refere-se a um ensino-aprendizagem, em todos os níveis escolares, da diversidade discursiva (narração, explicação, argumentação, descrição e diálogo). O que varia de um nível escolar a outro é, de um lado, o gênero textual (conto de fadas, relato de experiência, lenda, relato histórico, narrativa de enigma etc.) e, de outro lado, as dimensões textuais estudadas (uso dos tempos verbais; uso dos organizadores textuais; progressão anafórica; esquema dos actantes ou papel dos personagens; estrutura narrativa; pontuação etc.).
Por exemplo: o papel dos organizadores textuais (Era uma vez...; Um dia...; De repente... etc.) Será abordado progressivamente ao longo da escolaridade básica; propor-se-á uma complexificação dos personagens narrativos e da estrutura textual etc.
Mas o fundamental consiste em saber observar as capacidades iniciais dos alunos, em detectar alguns de seus problemas de escrita ligados a um determinado gênero textual, a fim de selecionar as dimensões textuais que comporão o trabalho central com a classe.



4. Começar com tarefas complexas
Os jogos de construção – com o Lego, por exemplo – foram, durante muito tempo, o modelo preferido dos métodos de ensino de redação: a reunião sucessiva de peças simples e separadas para “compor”, no final, uma peça complexa. Trata-se de um princípio de aprendizagem aditiva: a criança começa aprendendo as letras do alfabeto; depois escreve palavras soltas; depois constrói frases que são cada vez mais complexas; e, finalmente, compõe textos. Como sabemos, no âmbito do ensino de línguas, este princípio foi aplicado com insucesso.
Segundo este mesmo princípio, as atividades de estruturação gramatical eram consideradas como uma etapa intermediária imprescindível para desenvolver a expressão escrita: pensou-se que o aluno chegaria, a saber, escrever textos graças a exercícios estruturais. Apoiando-se em aquisições realizadas do domínio do vocabulário, da gramática e da conjugação verbal, o aluno construiria os instrumentos necessários às atividades de expressão escrita, realizando, por conta própria, sem nenhuma ajuda específica, a “transferência” das atividades próprias de estruturação para as atividades globais de composição escrita.
A aprendizagem não se dá de maneira tão simples como prevê o princípio aditivo. E, ao invés desse movimento que vai “do simples ao complexo”, preferimos um procedimento que coloca o aluno, desde o primeiro momento, em face a uma tarefa complexa e global, de maneira semelhante ao que acontece nas atividades autênticas de comunicação da vida social. Somente num segundo momento serão propostas atividades específicas em relação às diferentes dimensões do texto estudado: organização do conteúdo temático, uso das unidades linguísticas, coesão textual, aspectos sintáticos e lexicais etc, antes que o aluno se confronte de novo com a situação complexa da tarefa inicial.
Em resumo, em lugar de propor uma passagem das tarefas simples às tarefas complexas, defendemos um movimento que vai “do complexo ao simples para voltar, no final, novamente ao complexo”.
Não se trata de uma pequena diferença, mas sim, de duas concepções muito distintas uma da outra. Num caso, considera-se que o todo é o resultado de uma soma de partes simples e que a transferência de um tipo de atividade a outra dá-se de maneira natural, o que é um duplo erro no caso do ensino-aprendizagem de língua. No outro caso, é o todo, quer dizer, a atividade complexa e global, que determina os instrumentos específicos que o aluno, induzido pelo ensino do professor, deve construir para chegar a resolver os problemas colocados por esta atividade. Não se trata, pois, de “compor” um texto a partir de elementos simples conhecidos, mas de “produzir” um texto como resposta a uma situação de comunicação complexa, recorrendo a múltiplos instrumentos e estratégias.



5. Ensino intensivo
A organização do tempo na escola faz, em muitos casos, com que uma dificuldade de aprendizagem seja abordada de maneira segmentada e durante um período relativamente longo. Acontece, por exemplo, de passarmos vários meses estudando e analisando segmentos que constituem a frase porque temos somente uma aula por semana. Esse princípio de trabalho dominou, durante muitos anos, a organização do ensino ginasial e colegial e influenciou também o ensino primário, embora neste o mesmo professor seja responsável por um conjunto de disciplinas.
Dito de outra maneira, o ensino que o aluno recebe e, consequentemente, as aprendizagens que realiza são mais eficazes, duráveis e profundos se o trabalho se dá de maneira intensiva, concentrado num período breve, de não mais do que duas ou três semanas.
O ensino intensivo justifica-se por várias razões. Quando as atividades orientadas para um mesmo objetivo sucedem-se cotidianamente, há menos perda por esquecimento e pode-se assegurar melhor a continuidade na aprendizagem. Ao contrário, a interrupção de uma semana entre duas sessões de trabalho consagradas a uma mesma noção costuma produzir efeito contrário. E esta é a razão principal, porque toda a aprendizagem supõe, por parte do aprendiz, uma consciência clara do que faz, de por que o faz e de para onde se dirige. Esta consciência não pode ser mantida indefinidamente. Acima de uma, duas ou três semanas (conforme a idade), observamos que os alunos não só perdem o interesse, mas também já não sabem muito bem por que razões estão fazendo as atividades e os exercícios que lhes propomos. O vocabulário escolar dispõe de toda uma série de termos para designar esta atitude dos alunos: cansaço, desatenção, desinteresse etc.


6. Textos sociais
Tradicionalmente, o ensino-aprendizagem da escrita utiliza como modelos textos ad hoc, quer dizer, textos criados para cada circunstância. Os livros didáticos estão cheios destes textos, que não têm muito a ver com os textos autênticos que circulam fora da escola, produzidos estes últimos em contextos sociais reais: no trabalho, nos meios de comunicação, nos espetáculos, nas publicações de todo tipo... Os textos dos livros didáticos, frequentemente, não são mais do que simplificações adaptadas ao público escolar e merecem a etiqueta de “textos escolares” em comparação com os textos produzidos em contextos sociais precisos, que chamaremos “textos sociais”.
Se é certo que, para aprender a escrever um gênero determinado de textos, é necessário que os alunos sejam postos em contato com um corpus textual desde mesmo gênero que sirva de referência, também é verdade que, com a desculpa da complexidade dos textos sociais, se costuma oferece-lhes como modelos de textos fabricados para a ocasião ou desnaturalizados. E isto quando se trabalha a redação a partir de um corpus textual ou de um modelo de texto, pois, às vezes, pede-se ao aluno que escreva um texto sem apresentar-lhe nenhuma referência.
É importante que o aluno não imite os textos escolares, mas que produza textos com referência a situações de comunicação bem definidas, precisas, reais: uma explicação verdadeira de um fenômeno desconhecido; uma descrição verdadeira de uma catedral para um guia turístico; uma receita culinária verdadeira para que seus colegas possam fazê-la em casa.
E, para podermos ajudá-lo, devemos propor a leitura de textos produzidos em situações similares: textos explicativos publicados em enciclopédias ou livros para jovens; outras descrições de guias turísticos; livros de receitas culinárias etc.



7. A revisão como atividade de aprendizagem


Vimos, até agora, a importância que têm a definição da situação de comunicação, nas instruções (consignas) para a produção, e a presença de textos sociais que constituam uma referência para a primeira produção dos alunos, assim como para os exercícios e atividades de aprendizagem.
Mas que fazer com os problemas de escrita que observamos nas primeiras versões destes textos?
Geralmente, o professor corrige os erros de ortografia e de estilo, anotando comentários às margens da redação que nem sempre são de fácil compreensão para os alunos. Caso exijam uma releitura e uma auto - correção da primeira versão, os professores verão como a atividade de revisão é difícil para eles.
Os alunos mais jovens apresentam uma espécie de “cegueira”, como dizem os psicólogos que estudaram o fenômeno, diante de seus próprios erros. Os alunos que introduzem algumas modificações concentram-se em alguns erros superficiais como a correção de ortografia (os erros que podem enxergar!) e a substituição de algumas palavras por outras, julgadas mais precisas, tentando compreender as anotações do professor à margem da página. Sabemos como este tipo de atividade acaba por resultar ineficaz e a decepção que é para o professor a comparação das duas versões que é para o professor a comparação das duas versões do mesmo texto: os erros acrescentados são tão numerosos quanto às correções.
A revisão é uma atividade que é parte integrante da escrita. Durante a escrita da primeira versão de um texto, o autor relê constantemente o que escreve para continuar e, relendo, frequentemente transforma seu projeto inicial. A releitura, a revisão e a reescrita de um texto são atividades que também se aprendem.
Depois de um trabalho progressivo sobre as diferentes dimensões do texto que apresentam - se para os alunos como dificuldades, quando revisam o texto final, já não se trata de uma simples limpeza do texto, mas de uma profunda transformação do texto inicialmente produzido, graças aos instrumentos linguísticos elaborados durante as oficinas (sequências de atividades centradas numa dimensão textual). Nesse sentido, a revisão constitui um dos momentos fortes da aprendizagem da produção de um texto.
Muitas vezes, convém separar o momento da revisão da primeira versão do texto e o momento da reescrita da versão definitiva, para facilitar o distanciamento da versão inicial e uma liberdade de ação maior na obra final.


8. Método Indutivo: apropriação por parte do aluno
Os instrumentos linguísticos de que falamos no item precedente são trabalhados através de exercícios específicos. A realização destes exercícios deve merecer a máxima atenção por parte do professor. Não se trata, com efeito, de transmitir os conhecimentos aos alunos, por meio de cuidadosas explicações; trata-se, ao contrário, de conduzir e orientar os alunos para que descubram os novos sabores e se apropriem das habilidades indispensáveis para a realização de uma tarefa. Fala-se, nesse caso, de método indutivo, em oposição aos métodos transmissores frontais.
Não são os saberes do professor que devem passar diretamente de sua menta para a mente dos alunos.
É o ensino que deve permitir ao aluno, a partir de observações e exercícios concretos, a tomada de consciência do funcionamento linguístico. Por isso, damos grande importância à qualidade dos exercícios, à sua ordem de realização e à decomposição das dificuldades para que se dê uma verdadeira construção.
Estamos ainda longe de conseguir esta qualidade, mas, em alguns gêneros textuais, os materiais que estão sendo elaborados atualmente melhoraram sensivelmente, adaptando-se aos problemas típicos de escrita de alunos em fase de aprendizagem, e constituem um elemento que facilita a construção de capacidades comunicativas e lingüístico-discursivas.


9. Regulação externa e interna
Como diz Mas (1991), saber escrever é todo um sistema. A avaliação formativa dos textos produzidos exige que se leve em consideração a complexidade desse sistema: a diversidade textual, a pluridimensionalidade dos problemas de escrita, as operações e os processos psicolingüísticos que os alunos executam até chegarem ao produto final (Hayes & Flower, 1980; Bronckart, 1985; García-Debanc, 1986; Schneuwly. 1988).
A avaliação formativa entende-se, atualmente, como a criação de instrumentos de regulação do sistema que constitui a produção textual (Schneuwly & Brain, 1994). Dito de outra maneira, o aluno, quanto escreve um texto, encontra numerosas dificuldades que deve superar:
∙ contextualizar seu projeto de escrita em função da consigna do professor;
∙ eleger um tipo de discurso em função dos textos sociais que conhece;
∙ elaborar os conteúdos temáticos que serão desenvolvidos no texto;
∙ planejar globalmente partes do texto;
∙ articular as diferentes partes do texto;
∙ conectar as palavras e as frases;
∙ assegurar a continuidade de sentido do conjunto do texto;
∙ modalizar as asserções em função da perspectiva enunciativa adotada.
Quando falamos de regulação, referimo-nos à adoção por parte do aluno produtor de um texto de um ponto de vista crítico sobre sua própria atividade a fim de controlar o conjunto de problemas de escrita que acabamos de elencar.
A regulação começa sendo externa e social. O professor viabiliza os instrumentos didáticos, entre os quais destacaremos as famosas listas de controle. Durante a realização das atividades de leitura e dos exercícios de análise e de produção de textos, o aluno utiliza instrumentos de ordem linguística. A lista de controle elenca, em forma de notas, os aspectos linguísticos que vai descobrindo durante as atividades de aprendizagem e que podem ajudá-lo, como uma espécie de memória externa (agenda), na escrita de um novo texto. Graças à regulação externa da lista de controle, os alunos centram sua atenção em alguns problemas de escrita que desconheciam antes do ensino. Os resultados mostram não só uma melhoria na revisão e reescrita de textos (Rosat, Dolz e Schneuwly, 1991; Dolz, 1995), mas também que este instrumento de regulação interna, quando o aluno se apropria das habilidades necessárias à produção de um gênero textual e já não necessita da ajuda exterior da lista de controle.


10. Sequências Didáticas
Todos os pontos que desenvolvemos até aqui concretizam - se no que chamamos de sequência didática, quer dizer, um conjunto de oficinas destinadas a que se aprenda escrever um gênero textual que responde a uma série de critérios.
A noção de sequência didática justifica-se por duas razões. Em primeiro lugar, o termo “sequência” refere-se à disposição das oficinas de aprendizagem: a série de atividades e exercícios segue uma ordem gradual que busca resolver progressivamente as dificuldades dos alunos e que facilita a tomada de consciência das características linguísticas dos textos estudados. Em segundo lugar, a qualificação “didática” tem a virtude de evocar tanto o objetivo da sequência – aprender -, quanto a ação que o torna possível – ensinar. Entretanto, são muitos os professores que pensam que as capacidades que intervêm na produção de textos são resultado das predisposições herdadas pelos indivíduos (“dom”) e que se aprendem graças a elas e à experiência. Assim, simplesmente propor atividades de redação seria suficiente para que aqueles que receberam o dom de escrever aprendessem. A tarefa seria, de todo jeito, quase impossível para os outros.
Ao contrário, as sequências didáticas consideram que todos os alunos podem e devem aprender a escrever diferentes tipos de texto e que isso é, sim, possível graças a um ensino sistemático que lhes viabilize os instrumentos comunicativos e linguísticos.
Insiste-se, pois, na necessidade de uma organização global e progressiva do ensino e das aprendizagens. Durante um período de tempo relativamente curto e num ritmo adaptado ao ritmo de aprendizagem do aluno, trabalha-se sobre um gênero textual.
O trabalho com sequências didáticas permite ao aluno saber, desde o começo, por que e para que está trabalhando. Imaginemos o caso de uma escrita de receita culinária destinada a outro grupo de alunos com o qual se mantém uma correspondência escolar; a primeira produção permite ao professor observar o que seus alunos já sabem fazer e analisar quais são os principais problemas de escrita. Em função destes, o professor seleciona uma série de oficinas – exercícios e atividades -, organiza-as em várias sessões de trabalho e negocia com seus alunos os objetivos que quer alcançar.
Quando o especialista em didática elabora sequências didáticas, somente prepara o trabalho do professorado. Trata-se de materiais didáticos elaborados a partir dos conhecimentos atuais em linguística do discurso e em psicologia da linguagem, destinados a facilitar a tarefa do professor. A transformação destes materiais em sequências didáticas adaptadas aos problemas de escrita de um grupo de alunos constitui uma responsabilidade do professor.







GAZEL DO AMOR DESESPERADO

RETIRADO DO BLOG ESTE É MEU JEITO
GAZEL DO AMOR DESESPERADO - Garcia Lorca



A noite não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Mas eu irei,
inda que um sol de lacraias me coma a fronte.

Mas tu virás
com a língua queimada pela chuva de sal.

O dia não quer vir
para que tu não venhas,
nem eu possa ir.

Mas eu irei
entregando aos sapos meu mordido cravo.

Mas tu virás
pelas turvas cloacas da escuridão.

Nem a noite nem o dia querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

PORQUE E COMO SABEM OS ALUNOS

RETIRADO DO BLOG ALFABETIZAÇÃO E CIA

POR QUE E COMO SABER O QUE SABEM OS ALUNOS?

Equipe pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores




Dizer que é preciso saber o que os alunos já sabem para poder decidir o que e como ensiná-los parece uma obviedade. Mas, dependendo da concepção de aprendizagem que orienta a ação do professor, não é tão óbvio assim.
Se o professor tem por referência a concepção empirista-associacionista de aprendizagem basta-lhe verificar a matéria dada pelo professor do ano anterior e seguir adiante. No caso dos alunos da série inicial, isto nem sequer é necessário: se não houve ensino anterior, por suposto os alunos nada sabem.
No entanto, se nossa concepção é construtivista-interacionista, a coisa muda de figura. Essa visão do processo de aprendizagem não supõe que o aluno sabe apenas o que lhe é formalmente ensinado. Nela o aprendiz é visto como um sujeito que tem um papel ativo em sua aprendizagem. Um sujeito que pensa todo o tempo, que se coloca questões, que estabelece relações. Elabora a informação que o meio lhe oferece — o professor inclusive — para construir esquemas interpretativos próprios.
Se o professor desenvolve sua prática tendo por referência teórica a idéia de que o conhecimento é construído pelo aluno em situações de interação, ele precisa dispor de estratégias que ajudem a compreender o que cada um de seus alunos já sabe.
No caso da alfabetização, é essencial que o professor descubra o que cada aluno pensa sobre como funciona o sistema de escrita. Para isso é necessário em primeiro lugar que o professor estude — se possível diretamente das fontes — discuta com seus pares e construa para si mesmo o conhecimento hoje disponível sobre as hipóteses, as idéias que as crianças — e também os adultos — constroem em seu esforço para aprender a ler e a escrever. Infelizmente, quando isso não acontece da forma adequada, o que vemos são equívocos que podem causar problemas. Alguns inaceitáveis, como pensar que silábicos são alunos que lêem de forma silabada. Ou que pré-silábicos são alunos que escrevem com muitos erros de ortografia.
Sem um conhecimento pelo menos básico da psicogênese da língua escrita não é possível descobrir o que sabem e o que não sabem os alunos. Mas, se esse conhecimento está disponível, o professor pode montar seus próprios instrumentos diagnósticos. Por exemplo, se ele propõe para a classe toda uma atividade em que os alunos têm que escrever, apesar de ainda não estarem alfabetizados, é interessante que ele observe um aluno de cada vez realizando a tarefa. Que ele peça para o aluno que está sendo observado ler o que escreveu.
Recomenda-se que o professor tenha um caderno com um bom espaço, algumas páginas, reservado para cada um de seus alunos. Nele devem constar suas observações, ao longo de todo o ano escolar, sobre cada um deles.
Inclusive suas idéias sobre como funciona o sistema de escrita devem ser anotadas, reproduzindo algumas escritas com suas respectivas leituras, sempre com a data da observação, para poder ter uma visão de processo. Mas sempre existem alguns alunos sobre quem o professor tem dúvidas, cujas hipóteses lhe escapam em situações de simples observação. Nesse caso, o professor precisa construir uma atividade específica para realizar individualmente com cada um desses alunos, de forma a descobrir o que é que cada um deles já sabe e o que não sabe. Para isso vamos sugerir aqui uma situação de ditado que pode ser de grande ajuda para o professor, desde que ele compreenda os critérios dentro dos quais a atividade foi elaborada. A idéia é ditar uma pequena lista1 de quatro palavras com as seguintes características: a primeira palavra deve ser polissílaba, a segunda trissílaba, a terceira dissílaba e a quarta monossílaba. Outra característica importante das palavras da lista a ser ditada é que nas sílabas contíguas não se repitam as mesmas vogais. E por que o número de sílabas, e a não proximidade de sílabas com a mesma vogal, é importante?
Como vimos nos vídeos Construção da escrita e Construção da escrita: primeiros passos, ainda em uma fase bem inicial do processo de aquisição, as crianças estabelecem duas exigências para que algo esteja adequadamente escrito: uma quantidade mínima de letras (em torno de três letras) e variedade, isto é, que as letras não sejam repetidas. Essas duas exigências acompanham as crianças ao longo de seu processo de alfabetização. Portanto, se o professor dita para um aluno cuja hipótese de escrita é silábica e cuja análise qualitativa da pauta sonora está focada nas vogais (situação bastante comum) palavras com poucas sílabas e formadas por sílabas de mesma vogal, é provável que o aluno fique bloqueado e se recuse a escrever. Pois ele teria que escrever, por exemplo, para “vaca”, AA ou para “bolo”, OO, o que para uma criança que pensa dessa forma seria ilógico e incoerente.
Por isso, a escolha das palavras da lista é importante, principalmente a primeira. Pois é ela que nos dá as primeiras pistas sobre o que o aluno pensa. Algumas crianças exigem um mínimo de quatro letras, outras três, ou mesmo duas, mas nenhuma criança aceita (a não ser que esteja em um momento muito inicial do processo, como vimos com Johnny William), escrever uma palavra com apenas uma letra. Se a lista não fosse em ordem decrescente poderíamos correr o risco de ditar um dissílabo para um aluno que escreve silabicamente, mas tem como quantidade mínima três letras, por exemplo, e com isso perturbá-lo a ponto de alterar o comportamento dele na entrevista. O número decrescente de sílabas nas palavras da lista permite também que o professor descubra qual o número mínimo de letras que seu aluno aceita escrever.
Durante a atividade, o professor precisa tomar alguns cuidados. Em primeiro lugar, ele deve evitar escandir as palavras, isto é, ditá-las marcando as
sílabas. Deve solicitar a leitura do aluno assim que este der por terminada a escrita de cada item da lista. Essa leitura é tão ou mais importante do que a própria escrita pois é ela que permite ao professor verificar se o aluno estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes do escrito. E, evidentemente, é importante não corrigir o que o aluno escrever, pois o que queremos é saber exatamente como ele pensa.
Essa entrevista individual, bem semelhante às que aparecem nos vídeos Construção da escrita e Construção da escrita: primeiros passos deve se manter sempre como instrumento do professor; sua única função deve ser a de ajudar o professor a se situar com relação ao percurso de aprendizagem de cada um de seus alunos, para poder planejar adequadamente as atividades e para poder organizar agrupamentos produtivos.
O uso institucional desse tipo de instrumento, no entanto, tem se mostrado extremamente perigoso. Isso acontece por duas razões, uma técnica e outra política.
Vamos começar pelo problema de ordem técnica. Esse não é um instrumento que se possa utilizar em massa. Para obter informações minimamente confiáveis, é necessário que a entrevista seja realizada individualmente, por profissional com formação adequada. Se, como tem sido feito, a lista é ditada para a classe toda e o professor tenta adivinhar o que a criança pensou ao escrever apenas a partir do que está escrito no papel, pode-se afirmar que a maioria dessas interpretações corresponde a invenções, sem qualquer valor diagnóstico.
E se, além disso, esse material for usado para tomar decisões que vão afetar a vida escolar dos alunos — como a decisão de colocá-lo em uma classe “forte” ou “fraca”, por exemplo — transforma-se em poderoso instrumento de exclusão social, pois “enquanto a língua escrita não estiver democraticamente distribuída entre a população, o acesso à informação vinculada à língua escrita tampouco será acessível de uma maneira igualitária, e qualquer prova de conhecimento sobre a língua escrita, aplicada no começo do Ensino Fundamental, terá um efeito discriminador”.



* Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), Módulo 1, Unidade 4, Texto 5. Brasília: MEC / SEF, 2001

HIPÓTESES E ESTRATÉGIAS DE LEITURA

RETIRADO DO BLOG ALFABETIZANDO COM FANTASIA

domingo, 14 de fevereiro de 2010

RETIRADO DO BLOG ESPAÇO EDUCAR

Realizar uma sondagem do que os alunos conhecem no início do ano é essencial, certo? Saiba aqui como fazer isso com Matemática (Revista Nova Escola Jan/2010)

O ano está começando e você tem uma nova turma para acompanhar. Além de reconhecer os rostos e gravar os nomes, uma tarefa mais difícil (e mais importante) o aguarda: investigar o que cada aluno sabe para planejar o que todos devem aprender. É o chamado diagnóstico inicial, ou sondagem das aprendizagens, uma das atividades mais importantes no diálogo entre o ensino e a aprendizagem. Afinal, não dá para decidir que a turma tem de dominar determinado tema sem antes descobrir o que ela já conhece sobre esse assunto. Até porque, diferentemente do que muitos acreditam, ela costuma saber muita coisa. "Antes mesmo de entrar na escola, as crianças têm ideias prévias sobre quase todos os conteúdos escolares. Desde pequenas, elas interagem com o mundo e tentam explicá-lo", afirma Jussara Hoffmann, especialista em Educação e professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "É preciso conhecê-las para não repetir conceitos nem propor tarefas além do que a garotada é capaz de compreender.”

Daí a importância da avaliação inicial. “Esse olhar é imprescindível para construir uma visão detalhada de cada estudante e, com isso, poder planejar as aulas com base nas reais necessidades de aprendizagem do grupo”, explica Jussara. O bom diagnóstico não tem por objetivo contabilizar os erros ou classificar (e rotular) os alunos. Ou seja, não é uma prova, no sentido tradicional. “A ideia é enxergar problemas semelhantes que permitam direcionar o planejamento das atividades”, completa Leika Watabe, coordenadora do Programa Ler e Escrever, da prefeitura de São Paulo. Em outras palavras, o que está em jogo é entender as principais necessidades da turma para orientar as formas de ensinar.

Por isso, não é qualquer atividade que serve para a realização de um bom diagnóstico. Os especialistas dizem que só as situações-problema permitem que o aluno mobilize todo o conhecimento que tem sobre o assunto. Não basta apresentar uma questão e obter um sim ou não como resposta – no máximo, um comentário dos mais participativos. “A chave é trabalhar e refletir sobre o problema”, ressalta Leika, “pois não é verbalizando que eles vão mostrar o que sabem.” Quer um exemplo? Se você perguntar para uma criança o que ela pensa sobre os números, ela nunca conseguirá verbalizar uma resposta que explicite suas hipóteses. Pode parecer óbvio, mas muita gente comete esse erro.

Com as produções em mãos, é possível analisar o que cada um sabe e como representa isso no papel. A avaliação é o momento também de compreender a lógica empregada na resolução da tarefa. O produto final desse trabalho é uma espécie de mapa, com os conhecimentos da sala. Se ninguém conhece um conteúdo, é claro que ele tem de ser trabalhado de forma prioritária. Se a maioria já resolve bem determinadas questões, a chave é pensar em formas de dar mais atenção aos que estão um passo atrás.

Sobretudo entre os alfabetizadores, esse tipo de sondagem é bem conhecido. Mas, nas outras áreas, essa atividade ainda é pouco difundida.

1. ESCRITA DE NÚMEROS


Você descobre...
O que os alunos sabem a respeito da numeração escrita, quais as hipóteses deles a respeito das características do nosso sistema de numeração 
(que é decimal, com valor posicional) e quais
 números eles sabem grafar convencionalmente.

Atividade a ser proposta Ditado de números

Escolha no máximo dez números para ditar. É importante pensar em múltiplas variáveis. Os especialistas recomendam que estejam presentes no ditado números com várias quantidades 
de algarismos para verificar a dificuldade para os alunos. Confira um exemplo no quadro abaixo. 
A ordem é importante, pois segue critérios que permitem que as crianças façam relações entre eles.



Encaminhamento

Explique que todos farão um ditado diferente. Em vez de escrever palavras, serão números. Conte que pretende descobrir o que cada um sabe sobre os números, mas explique que não se trata de uma prova. A investigação deve ser individual. Entregue uma folha pautada e peça que escrevam um número abaixo do outro – a ordem ajuda a entender a escrita com mais facilidade. É importante dizer que eles devem fazer o que julgam correto e que não está em jogo errar ou acertar. Algumas crianças se sentem nervosas ou envergonhadas por não saberem os números e tentam copiar. Se você vir isso, registre. Terminada a atividade, chame o aluno e refaça o ditado. Com orientação e apoio, ele pode ficar mais seguro. O ideal é não chamar a atenção nem brigar em público para que não se gere mais desconforto ou medo desse tipo de tarefa.

Antecipando o que eles podem pensar

Assim como ocorre na alfabetização, os alunos desenvolvem hipóteses sobre a escrita de números. Pesquisas mostram que as crianças não aprendem os números seguindo a ordem de um em um, mas estabelecendo relações de diversos tipos para identificá-los e produzir as escritas. Algumas hipóteses se aproximam do conhecimento formal, outras são criações que têm uma lógica infantil própria, como se vê no quadro abaixo. Muitas vezes misturam-se duas ou mais hipóteses ao escrever os números. Entender como os alunos pensam faz a diferença.

Conhecem a escrita dos números redondos – 10, 20, 30, 40 etc.; 100, 200, 300, 400, 500 etc.; 1000, 2000, 3000, 4000 etc. –, mas não sabem os números que estão nos intervalos entre esses redondos.

Estabelecem relações entre os números redondos e a numeração falada. 201 (para 21), 51000 (para 5000), 34 (para 43), pois sabem que algo permanece e algo muda, mas não sabem o quê.

Relacionam o “nome do número” com a forma de escrevê-lo. Se o nome de um número é quarenta e seis e o do outro é quarenta e três, a escrita desses dois números deve começar com 4, pois falamos quarenta, que se parece com quatro. Se fosse cinquenta, esses alunos usariam o 5. A escrita do vinte é mais difícil por ser irregular – seu nome não estabelece relação com o número 2.

Exemplo de ditado (e por que os números estão na lista)Exemplo de resposta (e como entender a hipótese do aluno)
5 É conhecido como “marco”, pois é de uso frequente (notas, moedas etc.).5 O aluno conhece alguns números “marco” e os grafa corretamente.
11 Pode ser chamado de número opaco, por não deixar claro ao falar (onze) o princípio aditivo do sistema de numeração (dez mais um).11 Embora seja um número opaco, é um número baixo e bastante conhecido. A criança não encontra dificuldade para grafá-lo.
86 Está num grupo que pode ser chamado de transparente. Com a fala, é possível perceber quais são os algarismos que formam o número.806 Para grafar o 86, usa a dezena inteira (80) e, na sequência, a unidade (6), mostrando que se apoia na fala para construir o número.
90 Representa uma dezena cheia, mas é diferente do 100.90 Ao acertar, o aluno mostra conhecer números redondos.
100 Outro “marco”, de uso social frequente, tem três algarismos.100 Como no exemplo acima, conhece números redondos.
150 Pode ser composto com outro já ditado (100), o que ajuda a entender como os alunos articulam conhecimentos sobre os “marcos” e possíveis números novos.10050 Apesar de conhecer os números redondos, o aluno segue o mesmo padrão do que fez com o 86. Apoia-se na fala e escreve o 100 seguido do 50.
555 Pode parecer fácil, por ter três algarismos iguais. Mas algumas crianças, numa hipótese inicial da escrita numérica, acham que repetir é errado.700505 Acha que repetir o mesmo número três vezes é um erro. O sete pode estar sendo usado como curinga, de forma aleatória.
6384 Os especialistas afirmam que pelo menos um dos números ditados nessa atividade deve ser composto de quatro algarismos diferentes, já que a escrita desse tipo apresenta um grau maior de complexidade para a grande maioria dos estudantes nas séries iniciais.61000700804 A criança vai fundo no aspecto multiplicativo da numeração falada. Escreve seis (6) mil (1000) trezentos (700) e oitenta (80) e quatro (4). O sete aparece de novo, o que pode confirmar a hipótese do número curinga.
2010 É um número familiar, que representa o ano corrente (informação que as crianças reconhecem, pois escrevem as datas no caderno).2010 O aluno mostra conhecer o número por ser o do ano corrente, mas (como se vê abaixo) não associa informações para escrever 2017.
2017 Permite comparar a escrita de um número possivelmente novo para a criança com outro conhecido (no caso, o 2010).2100017 Mais uma vez, o aluno usa a fala e escreve conforme ouve o ditado: dois (2) mil (1000) e dezessete (17).


Análise e registro dos resultados

A proposta é interpretar as hipóteses das crianças sobre a escrita de números. Analise cada número escrito e anote a ideia que o aluno teve ao escrevê-lo. Anote tudo na tabela (como se vê abaixo).

Análise  e registro na avaliação inicial da escrita de números

E agora?

Na tabela acima, a grande maioria dos alunos já domina os números “marco”. Outra parcela da turma tem dificuldade com números de algarismos iguais. E a maioria não sabe grafar números maiores. Num primeiro momento, escolha algumas produções das crianças para discutir as formas escritas, os motivos pelos quais grafaram de formas tão diferentes cada um dos números e qual o jeito correto de grafá-los e por quê. A ideia é colocar em conflito as hipóteses delas, pedindo que justifiquem e argumentem suas escolhas. Proponha situações nas quais a criança interprete, produza e compare as escritas numéricas. Por exemplo: para os alunos que ainda não dominam a escrita de números com dois algarismos (como a Alana e a Dione, na tabela acima), dê um quadro numérico de 1 a 99 e peça que busquem as regularidades. Uma das coisas que você pode destacar e discutir é que o quadro é formado em sua maioria por números com dois algarismos. Você pode pedir que antecipem a quantidade de algarismos em alguns números (quero escrever 83. Quantos algarismos tem?). 
Os alunos têm de perceber que, se o número está no quadro, não pode ter mais que dois (o mesmo exemplo serve para trabalhar com a escrita de números altos, já que a metade da turma cometeu esse erro, no exemplo acima). Para o aluno com um nível de aprendizagem mais avançado e que aparenta dominar a escrita numérica (como Daniel), é preciso fazer com que ele avance nas justificativas e nos argumentos que sustentam a escrita. Você pode fazer com que ele troque com a turma essas informações. Outra possível atividade é pedir para falar um número maior que 6384 – e escrevê-lo.

2. CAMPO ADITIVO

Você descobre... Como os alunos interpretam os enunciados de problemas de adição e subtração e quais variáveis interferem no desempenho deles ao resolver problemas, além de perceber quais recursos eles utilizam para representar os cálculos e quais os procedimentos que dominam.

Atividade a ser proposta Resolução de problemas

Os alunos têm como tarefa solucionar problemas do campo aditivo. Para resolver cada questão, eles podem utilizar diferentes estratégias. Algumas variáveis (como o tipo de problema, a localização da incógnita, a grandeza numérica e a maneira como as informações aparecem no enunciado) interferem na complexidade dos problemas e você precisa considerá-las ao planejar a atividade. Na hora de fazer essa seleção, leve em conta a experiência dos alunos com a resolução de problemas e os conhecimentos matemáticos que eles apresentam. Se você tem uma turma de 1º ano e, por isso, pouco acostumada a esse tipo de atividade, dê questões mais simples. Vamos usar como exemplo os quatro problemas a seguir.

Encaminhamento

Explique para a turma que cada aluno deve resolver problemas matemáticos. O ideal é que não sejam mais do que quatro (todos juntos ou em diferentes dias). Oriente-os a resolver as questões da forma como acharem melhor. É importante que eles anotem tudo, ao longo do processo, para poder demonstrar a forma de resolver cada problema (pois você precisa conhecer o que cada um sabe para poder ajudar a turma toda a avançar). Diga que é possível fazer desenhos, conta armada, cálculo mental etc. Entregue uma folha que tenha espaço suficiente para resolver o problema (e que ninguém deve se preocupar com o tamanho da resposta). Ressalte que essa é uma atividade individual e, por isso, não é possível olhar para ver como o colega faz nem falar a resposta em voz alta. Se você vir algum aluno copiando, não o repreenda – apenas anote quem foi e dê outros problemas para que ele resolva sozinho na próxima aula. Circule pela sala e verifique se todos entenderam a questão. Se alguém está perdido, explique o problema novamente, tantas vezes quantas forem necessárias. Recolha as folhas. Caso alguma criança entregue a folha só com o resultado, ou com uma anotação que não possibilite que você entenda como ela chegou à solução, peça que ela explique como calculou e anote as explicações no verso da folha.

Antecipando o que eles podem pensar

A intenção nessa atividade é descobrir se o aluno consegue compreender a ideia envolvida nos problemas. Ela também é uma oportunidade de colher dados sobre os procedimentos utilizados por cada um. O ideal é que você tente antecipar estratégias que eles possam usar em cada problema – isso dará mais segurança e subsídios para analisar as produções. No problema 4 (abaixo), os possíveis procedimentos utilizados pela turma na busca pelas respostas são:

Subtrair um número do outro (54 - 36), a chamada solução canônica. Tradicionalmente, os alunos menores não costumam relacionar a subtração a esse problema, já que o enunciado do problema não menciona a diminuição de qualquer quantidade.

Contar para trás, do 54 ao 36, controlando – com os dedos, com tracinhos no papel ou outras estratégias – a quantidade de números ditados na busca pelo resultado.

Calcular quantos números há de 36 para 54.

Desenhar os conjuntos de números (ou o mais numeroso) e compará-los para chegar ao resultado.

Somar os dados apresentados no enunciado, o que mostra que o aluno não entendeu o problema.

Por não entender o que foi pedido, não realiza nada ou faz apenas uma tentativa frustrada.

Para medir o conhecimento da turma

1. Pedro tinha 15 figurinhas em seu álbum. Ganhou algumas e agora tem 33. Quantas figurinhas Pedro ganhou?
Esse é um problema que envolve uma transformação positiva, pois foi dada a quantidade inicial (15 figurinhas), que sofre uma transformação e se torna uma quantidade maior. 
Os números envolvidos permitem o cálculo do dobro mais três, o que pode facilitar a resolução.

2. Estão em um lago 35 peixes de cores amarela e vermelha. Se 17 são amarelos, quantos 
são os peixes vermelhos?
Esse é um problema que envolve uma composição, uma vez que se sabe a quantidade total de peixes e se conhece uma das partes (os amarelos). A grandeza numérica até possibilita resolver o problema por contagem. Além disso, a quantidade final é o dobro mais 1 da parte de peixes conhecida, mas isso não é óbvio para os pequenos.

3. Marcos começou o jogo com 31 bolinhas de gude. Na primeira partida, ganhou 19. E, ao terminar a segunda partida, estava com 40 bolinhas. O que aconteceu na segunda partida? Ele perdeu ou ganhou? Quantas bolinhas?
Esse é um problema que envolve uma transformação composta (duas transformações ocorrem, uma positiva e outra negativa), o que torna o problema complexo. Por isso, ele pode não ser adequado para as séries iniciais. A quantidade inicial é conhecida (31 bolinhas) e sabe-se que ocorreu uma transformação positiva na primeira partida (Marcos ganhou 19 bolinhas), mas a transformação negativa da segunda não está tão explícita.

4. Paulo tem 36 figurinhas e Mariana tem 54. Quantas figurinhas Mariana tem a mais do que Paulo?
Esse é um problema que envolve uma comparação de quantidades. As duas quantidades são estáticas – devem apenas ser comparadas (um caminho, como já foi explicado ao lado, é subtrair 36 de 54). A distância entre um número e outro não é tão pequena, o que dificulta a contagem nos dedos. A maneira como a informação é apresentada também é uma variável que precisa ser considerada. O tratamento da informação nesse caso é igualmente importante. Se o problema fosse: “Paulo tem 36 balas e Mariana tem 18 balas a mais que ele. Quantas balas tem Mariana?”, a complexidade, nesse caso, seria muito menor.

Exemplos de resposta

36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54

Mariana tem mais 19 figurinhas.

O aluno erra o resultado, mas acerta na ideia. Ele conta 1 por 1 e chega a 19, pois conta o 36 também.

36
+ 54
90

Mariana tem 90.

Já esse aluno, embora acerte o resultado da conta, não entendeu o problema proposto, pois escolheu uma estratégia de cálculo que leva a uma solução que vai na direção oposta ao que é pedido.

Análise e registro dos resultados

Faça observações na própria folha do aluno, pois elas ajudam a organizar a tabulação. Anote as dúvidas e troque impressões com outros professores. Tabule quem acertou o quê (como 
na tabela abaixo).

Análise e  registro na avaliação inicial de campo aditivo

E agora?

Num primeiro momento, coloque em discussão dois ou três exemplos de resolução de cada problema. É importante trabalhar com exemplos de erro. Pegue a produção de um aluno que no problema 4 somou os números apresentados. Pergunte: a conta foi feita corretamente, por que então o resultado está errado? Em quais casos esse procedimento funciona? E em quais não funciona? Enfatize que para outros problemas essa estratégia (somar os números apresentados) é útil. Pergunte: se o problema fosse “Paulo tem 36 figurinhas. Mariana 54 a mais que ele. Quantas figurinhas Mariana tem?” Esse procedimento serviria? Outro tipo de discussão envolve a eficiência da estratégia de contagem. Por que o resultado da diferença no número de figurinhas não está correto? Deve-se ou não contar o 36? Por quê? Qual outro jeito para fazer essa contagem sem se perder? É importante lembrar que para que todos avancem é preciso trabalhar com uma ampla diversidade de problemas do campo aditivo. Nessas atividades, organize a sala em grupos, trios ou duplas. Você pode propor que as crianças analisem um problema sem resolvê-lo. Por exemplo: Paulo tem “x” figurinhas e Mariana tem “xy”. Quantas figurinhas Mariana tem a mais do que Paulo? Elas devem tentar descobrir a relação entre os números (Qual é maior? Por quê?). Outra ideia é pedir que eles criem problemas semelhantes ou discutam problemas em cujos enunciados faltem informações.

or exemplo). Assim como na sondagem inicial sobre o campo aditivo, as variáveis envolvidas nessa atividade são o tipo de problema, a localização da incógnita, a grandeza e o campo numérico, bem como a maneira em que as informações aparecem. 
A seguir, são apresentados três exemplos de problema para que você entenda como variar a complexidade da atividade, conforme o nível de seus alunos.

Encaminhamento


3. CAMPO MULTIPLICATIVO:

Os problemas do campo multiplicativo seguem as mesmas orientações dos apresentados no capítulo do campo aditivo.

Antecipando o que eles podem pensar

A intenção nessa atividade diagnóstica, assim como no caso do campo aditivo, é descobrir se o aluno consegue compreender a ideia envolvida nos problemas matemáticos. Você pode observar também que é preciso antecipar quais estratégias as crianças podem usar, já que isso vai proporcionar pistas para compreender como cada estudante chegou a determinado resultado (e se entendeu a ideia). No problema 3 (apresentado no quadro abaixo), os possíveis procedimentos utilizados pelos estudantes são:

Fazer uma listagem das combinações possíveis encontradas e escrever todas no papel, uma por uma.

Organizar os dados em tabelas.

Organizar os dados em árvore, montando cada ingrediente com suas possíveis combinações.

Colocar apenas o resultado obtido sem explicar como chegou a ele.

Multiplicar as quantidades de ingredientes disponíveis.

Fazer uma tentativa frustrada e não conseguir resolver o problema.

Para medir o conhecimento da turma

1. Uma borracha custa R$ 0,15. Quanto pagarei por 30 borrachas iguais a essa?
Esse problema trabalha com a ideia de proporcionalidade (uma custa R$ 0,15, duas custam R$ 0,30 e 30 custam quanto?). A representação decimal do número envolvido é uma variável que interfere na complexidade da questão proposta. Por outro lado, envolve o contexto do dinheiro, algo próximo de todos e conhecido das crianças. Um jeito de aumentar a complexidade da atividade seria alterar a grandeza numérica e a forma como as informações aparecem. Por exemplo: sei que 30 custam R$ 4,50 e quero saber quanto custaria se fossem quatro borrachas.

2. Num pequeno auditório, as cadeiras estão arrumadas em seis fileiras. Cada fileira tem oito cadeiras. Quantas cadeiras há no auditório?
O problema envolve a ideia de organização no espaço. Os números são baixos, o que permite que os alunos contem nos dedos ou desenhem. A complexidade aumentaria se o problema fosse: um auditório tem 48 cadeiras em seis fileiras iguais. Em quantas colunas elas estão dispostas? Alterar as grandezas para metro é outra variável que interfere na dificuldade do problema.

3. Para preparar sanduíches para sua festa de aniversário, Lara comprou dois tipos de pão (baguete e francês), três tipos de frio (presunto, mortadela e salame) e dois tipos de queijo (mussarela e prato). Quantos tipos de sanduíche Lara vai conseguir preparar usando um tipo de pão, um tipo de queijo e um tipo de frio em cada um?
O aluno terá de utilizar a ideia de combinação para resolver esse problema. São três tipos de ingredientes, que ainda apresentam subtipos, o que aumenta muito a complexidade do problema. Diminuir essas quantidades pode ser importante para que os alunos das séries iniciais consigam resolver. A grandeza numérica não é alta, o que pode facilitar o trabalho para o aluno.

Exemplos de resposta

Para  medir o conhecimento da turma em Campo Multiplicativo - tabela

Acima, é possível ver uma tentativa feita por um aluno, que tentou construir uma tabela, mas se perdeu e errou o resultado. Mas isso mostra que ele entendeu a ideia por trás do problema.

Para medir o conhecimento da turma em  Campo Multiplicativo - árvore

Outro aluno construiu uma árvore com as possibilidades e acertou o resultado.

Análise e registro dos resultados

Analise cada produção, anotando ao lado suas impressões sobre como o aluno resolveu. Nesse tipo de problema, você pode ter dúvidas sobre o registro dos alunos (é comum que eles desenhem, rabisquem e façam de novo). Caso isso ocorra, você pode chamá-los na mesa e pedir que expliquem. Se sua dúvida persistir, converse com sua equipe. Tabule quantos acertaram quais problemas (como se vê no exemplo abaixo).

Análise e  registro em Campo Multiplicativo

E agora?

Para aproveitar as resoluções feitas pelas crianças, organize situações para discutir o que é preciso fazer para que os procedimentos funcionem e o problema seja resolvido. Escolha uma produção com o procedimento incompleto e peça que eles comparem com outra finalizada. Você pode propor também que analisem e procurem entender o que foi feito e como finalizá-lo. Para aqueles que erraram a ideia, trabalhe em grupo os possíveis procedimentos de resolução. Ao entender outras estratégias, eles podem arriscar novos caminhos. Forme duplas e proponha mais problemas. Sugira que eles lancem mão de procedimentos diferentes dos utilizados na primeira atividade. Você pode discutir com a turma quais estratégias são úteis na resolução. Peça que todos anotem no caderno ou deixem em um cartaz na sala os procedimentos possíveis.

Forme duplas ou trios e proponha que eles antecipem maneiras de resolver um problema sem ter de fazê-lo. Outra ideia: dê um problema com quatro estratégias de resolução diferentes com, no mínimo, uma delas errada. Pergunte: quais servem ou não e peça que justifiquem. Você também pode dar problemas com informações a mais, pedindo que os estudantes selecionem quais são as necessárias para resolvê-lo.

Se algum aluno errou todas as questões (como é o caso do Juliano, no exemplo acima), é preciso observá-lo melhor. Veja se os números dados são grandes demais para ele. Analise também os procedimentos e os recursos que ele usa para contar (desenhos etc.). Você pode fornecer materiais de apoio (como bolinhas, clipes e lápis) para auxiliá-lo na tarefa. Ele deve usar esse procedimento por um tempo até passar para o cálculo (memorizando os resultados e compreendendo a lógica das contas). Para ajudá-lo ainda mais, você pode colocar um estudante que sabe menos (Juliano) em dupla com um que sabe mais (Tarsila).

Fonte: Revista Nova Escola Jan/Fev 2010 - Pag. 34 a 39