terça-feira, 13 de outubro de 2009

CONTOS DE FADAS

Edição 212 | Maio 2008

Contos 2.0

Ao apresentar diferentes versões dos contos de fadas, professora leva alunos do 5º ano a compor um livro com as próprias adaptações

Débora Didonê (novaescola@atleitor.com.br)


LÁ VEM HISTÓRIA Renata escolheu contos de fadas
em versões tradicional e moderna para a turma conhecer.
Foto: Tatiana Cardeal
Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho... Azulado. Todas as sextas-feiras ela ia levar pizzas para sua vovó, pois a velhinha adorava uma bela pizza de catupiry com frango. Ao chegar lá, viu sua vovó toda amarrada. Ficou com muita raiva. “Vovó, quem a amarrou desse jeito?”, disse a menina, furiosa. “Foi o malvado lobo, minha netinha. Ele vive querendo comer minhas pizzas!”, falou a vovó, assustada. (...) Chapeuzinho pegou seu celular e ligou para o seu amigo caçador, (...) mas de repente o lobo apareceu pela janela e pulou em cima dela! Sua avó pegou uma frigideira de ferro, que estava ali perto, e bateu com força na cabeça do animal. (...) No final, tudo acabou em pizza. A menina do chapéu azulado e sua vovó viveram felizes para sempre.

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O.k., não é o tradicional conto de fadas dos irmãos Grimm que você já se acostumou a ouvir... Na EE Maria Angelita Sayago de Laet, em São Paulo, a história de Chapeuzinho Vermelho mudou de cor e ganhou roupagem atual. Os trechos selecionados são transcrições literais do trabalho de duas alunas do 5º ano, Alessandra de Souza e Brissany Medina. O criativo enredo faz parte de um livro de contos “modernizados”, produto final de um projeto didático elaborado pela professora de Língua Portuguesa Renata Gomes Campos Pio dos Reis, que rendeu a ela um dos Prêmios Victor Civita Educador Nota 10 de 2007 (confira as etapas do projeto). Na avaliação dos selecionadores, a iniciativa se destacou por desenvolver os comportamentos escritores nos alunos. Isso quer dizer que, além de praticar os procedimentos de produção e revisão de textos, a turma aprendeu a pensar nos leitores aos quais esses escritos se destinam e nas histórias que serviriam para eles (veja todos os detalhes da opinião da especialista no quadro abaixo)

Palavra da especialista

Kátia Lomba Bräkling, selecionadora do Prêmio Victor Civita Nota 10, destaca a importância da metodologia usada por Renata. “Ela priorizou atividades coletivas e depois partiu para a escrita em duplas, o que possibilitou às crianças dividir percepções e conhecimentos antes de escrever o próprio texto.” Ao fim do projeto, na produção individual, a professora teve clareza sobre o aprendizado de cada um. “Também acertou ao considerar os procedimentos de produção e revisão como objetos de ensino. É bem raro o professor orientar os alunos a
registrar no caderno o passo-a-passo de como pensar a escrita, a construção de frases e a utilização de elementos comuns a um tipo de texto para poder consultar depois”, diz Kátia. Para ela, o aprendizado não se limitou a conteúdos conceituais – como o fato de um conto de fadas conter seres fantásticos bons e maus. Ao propor a análise de textos do gênero, Renata fez a turma pensar na escrita da narrativa, na descrição dos personagens e no conflito da trama.


USINA DE IDÉIAS A produção coletiva fez os alunos debaterem diferentes maneiras de reescrever uma história. Foto: Tatiana Cardeal
Do início do trabalho à publicação do livro foram três meses, mas Renata já tinha vontade de desenvolver um projeto com contos havia bem mais tempo. Três anos atrás, ao ler os livros enviados à escola pelo Ministério da Educação, ela se interessou pela maneira de alguns autores reinventarem tramas tão conhecidas. Curiosa, buscou mais contos em bibliotecas da cidade, locadoras de filmes, livrarias e na internet (conheça mais sobre a professora no quadro abaixo). No fim da caçada, Renata havia reunido cinco versões de Os Três Porquinhos, oito de Chapeuzinho Vermelho e pelo menos 15 de Branca de Neve e de Cinderela. Pensando em formas de aproveitar o material em sala de aula, percebeu que as histórias seriam uma boa matéria-prima para estimular a produção escrita entre alunos do 5º ano. Afinal, nessa fase a garotada já conhece os contos clássicos, mas erra muito na ortografia, não identifica diferentes gêneros textuais e tem dificuldade para expor idéias com coerência. Desconstruindo o texto A professora priorizou a produção individual na avaliação inicial das crianças. “Quando pedi que escrevessem um conto de fadas, notei que elas faziam confusão com elementos de outros tipos de texto, como os de assombração. Isso mostra que tinham pouca leitura”. A solução lógica foi fazê-las ler mais.” Durante o projeto, a turma conheceu 12 versões de contos tradicionais e atuais. Após as leituras, Renata fazia com que todos destrinchassem os tipos de personagens e conflitos. A atividade foi essencial para sistematizar aspectos comuns ao gênero: as marcas de estilo (“era uma vez”, “e foram felizes para sempre”), o enredo em que os personagens do bem sempre vencem, a presença de vilões e de seres mágicos.

Quem é Renata

Renata Gomes Campos Pio dos Reis é paulistana criada no bairro de Jaçanã, onde mora. Sempre foi apaixonada por literatura, especialmente drama e ficção. Está acostumada a folhear livros e revistas desde os 6 anos, graças ao incentivo da mãe. “Entrei na 1ª série lendo e escrevendo. Atualmente, minha leitura é bem variada. Inclui de tudo um pouco, de Paulo Coelho a livros científicos.” Sua filha, hoje com 10 anos, puxou a ela. “Só ganha livros e usa a mesada para comprá-los”, conta. Aluna do 2º ano de Pedagogia, Renata também quer fazer curso de Letras
– por isso, deu prioridade à Língua Portuguesa como professora do Ensino Fundamental. Ainda adolescente, começou a dar aulas particulares e, aos 18 anos, assumiu sua primeira turma, de 2ª série. Hoje, aos 34 anos, atua na rede pública e particular. No ano passado, uma de suas alunas da 4ª série ganhou um concurso de escrita. Por causa disso, Renata já apareceu num vídeo de NOVA ESCOLA antes mesmo de ganhar o Prêmio Victor Civita.

Os elementos clássicos dos contos de fadas eram anotados numa lista, permanentemente pendurada no mural da sala para os alunos consultarem. A essa altura já era possível avançar mais um pouco. A opção de Renata foi escrever um texto coletivo: nesse processo, ela assumiu o papel de escriba, escrevendo o texto que a turma narrava. Chamava atenção para a gramática e a ortografia, levantando dúvidas e instigando as crianças a pensar em soluções. “A gramática não pode ficar solta, tem de fazer sentido para a criança”, diz a professora. “Se havia muita repetição do nome Maria na produção, eu perguntava por qual palavra ele poderia ser substituído. A garotada dizia ‘ela’, e só então eu explicava que essa palavra é um pronome”, conta.

A atividade coletiva continuava quando a professora recuperava um conto feito por algum aluno para ser discutido e revisado coletivamente, pedindo que se registrasse a nova versão no caderno. O caderno de anotações, aliás, foi uma ferramenta indispensável para os aprendizes de escritor ao longo das oficinas. Nele, além da revisão, ficavam guardadas também as anotações das leituras e discussões das características desse tipo de texto. “Esse registro serve para que, na escrita e na revisão, os alunos se lembrem dos elementos essenciais ao gênero”, explica.

Autores ansiosos

A essa altura já era difícil conter a ansiedade da turma. “No início do projeto, a sala não gostava de escrever, não expunha o que sabia nem as idéias que tinha. Na produção coletiva, os pequenos já queriam escrever sozinhos e não viam a hora de fazer o próprio texto”, lembra a professora. Antes de deixar a garotada soltar a imaginação, restava cumprir uma etapa importante: ensinar a classe a pensar como escritor para seu trabalho virar um livro. Os estudantes ref letiram, por exemplo, na pessoa para quem gostariam de escrever e na finalidade dos textos. Só então foi a hora de retomar a produção.

Para a confecção dos contos modernizados que fariam parte do livro, a professora agrupou os alunos-escritores em duplas – a idéia era que eles se ajudassem, discutissem idéias e ampliassem juntos o conhecimento. Nada estaria pronto, entretanto, antes que a turma submetesse os textos ao pente-fino da revisão. Com a orientação de Renata, os pequenos esquadrinhavam tudo: pontuação, pronomes, substantivos e adjetivos... O que implicou reler cada parte escrita, verificar a articulação com o que já havia sido produzido e fazer rascunhos do que faltava escrever. “A revisão foi, sem dúvida, a tarefa mais demorada. Mas fiz questão de sentar com cada dupla nessa hora”, afirma Renata.

Texto pronto, hora de digitar. Mesmo nesse momento a professora fez questão de incluir os alunos, dividindo-os em dois grupos para aproveitar os computadores da escola (enquanto uns digitavam, outros liam livros). Animada, a turma se mobilizou e preparou cartazes para anunciar a mais nova aquisição da biblioteca. “Foi uma sugestão deles mesmos, com a qual eu concordei. Era algo que não estava no plano de ação, mas acho que um projeto tem de estar aberto a sugestões coerentes com sua finalidade”, explica.

A festa de lançamento do livro reuniu pais, alunos e professores num animado chá da tarde. Para a professora Renata, o sabor que ficou foi o de despertar em seus alunos o gosto pela leitura e pela escrita. Ao contrário dos contos de fadas, ela não precisou de poderes mágicos ou varinhas de condão. O final feliz surgiu apenas com uma boa dose de conhecimento didático.

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